domingo, 6 de maio de 2012

Leonardo Boff - Ser Humano: um NÓ de Relações

LEONARDO BOFF in TEMPO DE TRANSCENDÊNCIA
NÓS EM TEMPO DE TRANSCENDÊNCIA: NA LINHA DA VIDA, NA LINHA DE TODOS NÓS

"O que é o ser humano, então? É um ser de abertura. É um ser concreto, situado, mas aberto. É um NÓ de relações, voltado em todas as direções. Já dizia o grande "filósofo" (comunicador) Chacrinha: "Quem não se comunica se estrumbica." É só se comunicando, realizando essa transcendência concreta na comunicação, que o ser humano constrói a si mesmo. É só saindo de si, que fica em casa. É só dando de si, que recebe. Ele é um ser em potencialidade permanente. Então, o ser humano é um ser de abertura, um ser potencial, um ser utópico. Sonha para além daquilo que é dado e feito. E sempre acrescenta algo ao real.

Emile Durkheim, um dos fundadores da sociologia, fala da singularidade do ser humano como ser social, capaz de criar a utopia, de acrescentar algo ao real. É algo exclusivo dele, nenhum animal é capaz de utopia. Por isso, ele cria símbolos, cria projeções cria sonhos. Porque ele vê o real transfigurado. Essa capacidade é o que nós chamamos de transcendência, isto é, transcende, rompe, vai para além daquilo que é dado. Numa palavra, eu diria que o ser humano é um projeto infinito. Um projeto que não encontra neste mundo o quadro para sua realização. Por isso é um errante, em busca de novos mundos e novas paisagens. A conclusão que tiramos desse fato é que não devemos nos deixar enquadrar por ninguém, por papa nenhum, por governo nenhum, por ideologia nenhuma, por revelação nenhuma. Por nada do mundo, porque tudo é menor. O ser humano é um projeto ilimitado, transcende, não dá para ser enquadrado. Ele pode, amorosamente, acolher o outro dentro de si. Pode servi-lo, ultrapassando limites. Mas é só na sua liberdade que ele o faz, é só quando se decide a isso, sem nenhuma imposição. Não há nada que possa enquadrá-lo, nenhuma fórmula científica, nenhum modo de produção, nenhum sistema de convivialidade. Nem mesmo o nosso moderno sistema globalizado, dentro do pensamento único que afirma "não há alternativa pra ele", reforçado pelo fundamentalismo da economia de hoje, que garante que "só existe o modo de produção capitalista global, com sua ideologia política, o neoliberalismo, não há outro caminho a seguir".

Essa concepção supõe um conceito pobre do ser humano. Transforma-o, no fundo, num mero consumidor que só tem boca para consumir, mas não possui cabeça para projetar. Quem defende e pratica essa concepção não está interessado em formar um cidadão criativo, capaz de pensar por si e plasmar o seu próprio destino. Está interessado em gerar consumidores, agalinhados em seus poleiros, perdidos da sua identidade de serem águias. Em nome da nossa transcendência, protestamos contra esse modo de realizar o processo de globalização que, em si, representa um patamar novo na história humana.

O ser humano é um ser criativo, pensa alternativas. E, se não consegue pensar, resiste e se rebela, levanta-se e protesta, ocupa terras e funda uma contra ordem, um outro direito difuso ligado à vida, ligado à liberdade. Não é o direito que enquadra, que o privilegia, que afirma "essa é a norma, isso é o correto, isso é o constitucional". A vida, especialmente quando submetida a coação, busca e cria outras formas de ordenação. É sua transcendência que lhe confere essa liberdade criativa. Liberdade pelo menos de protestar e de se insurgir. E quando a opressão é de tal forma pesada, em face da qual não se pode mais fazer nada, pelo menos pode-se protestar, pode-se fazer uma absoluta recusa. Pode-se torturar o ser humano, e até matá-lo, mas ninguém lhe tira essa sua capacidade de se opor.

Então, meus irmãos e minhas irmãs, olhem ao redor e vejamos os sistemas que nos querem enquadrar hoje. Na educação, na família, na escola,nas religiões. Não nos deixemos mediocrizar, mantenhamos nossa grandeza, nossa capacidade de vôo, nossa capacidade de transcendência."

(LEONARDO BOFF, in Tempo de Transcendência; Ser Humano: um NÓ de Relações, págs. 36 a 39, 2000)




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