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quarta-feira, 5 de junho de 2013

Bernardino Guimarães

Acontece-me escrever. Outras coisas também me acontecem, mas talvez não me definam. Não escrevo o que me acontece. Acontece-me precisar desesperadamente de escrever. Deve ser o ocaso desta noite, a acontecer. Sei perfeitamente que escrever não faz nada acontecer. Apenas um mundo se acantona nas linhas de palavras, e isso acontece. Mas será outro mundo, que não descrevo. Da escrita retiro cuidadosamente o acontecimento, o domínio vesgo das horas, como se tiram espinhas de um peixe. Acontecem-me dores e alegrias e por vezes tudo pesa demasiado, mas não escrevo a verdade disso e nada invento. Escrevo para ficar, ou melhor, para acontecer. Escrevo quando quero tanto acontecer-te, e com mil cuidados teço os fios da prosa que nunca lerás. Nada disto tem em si a mínima importância e o universo, seja isso o que for, acontece. Não escrevo sobre cicatrizes e luscos-fuscos cheios de cores suspeitas, evito as manhãs e as maçãs, quando posso, a menos que daí possa retirar sons e cores, azuis, ritmos. Acontece-me não pintar. Outras coisas igualmente me não acontecem, mas creio que não me matam. Fazem-me mais secreto, e sei muito bem que não há remédio para as ausências e quiçá nem para as urgências. Acontece-me mar e leva-me. 

Bernardino Guimarães