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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Arthur de Faria e Seu Conjunto com Cida Moreira - Breve Oração de Virada de Ano

Dentes guardados. Não acabam nunca se guardados. Na boca apodrecem.
(Hilda Hilst, "Com os meus olhos de cão")

poema de Daniel Galera

Deus, por favor não mais permita que os cachorros me dirijam olhares tristes por trás das grades do jardim das casas.
Deus, poupe-me também dos olhares tristonhos das empregadas que contemplam a cidade apoiadas nas sacadas dos prédios.
Tira, por favor, de todos os asilos, os adesivos do Ecco Salva afixados nas paredes.
Que as vastas platéias de cinema sejam ocupadas sempre por uma única pessoa, e que na saída do filme chova invariavelmente.
Bota fim, deus, a esse constrangimento injustificado que faz com que as pessoas desistam de foder e dar abraços, mesmo quando elas sabem que isto seria necessário.
Convence a todos da impossibilidade do amor, e observa enquanto descobrem o amor como a única possibilidade.
Quanto aos pecados capitais, peço que tornes a Gula compatível com a Vaidade, a Preguiça compatível com a Avareza, a Ira compatível com a Inveja, e que a Luxúria soterre as anteriores.
Acabe com a Aids, deus.
Que todos tenham plena consciência de que vão morrer definitivamente, e que na hora da morte não possam evitar um breve sorriso de desobediência infantil. E conserva os dentes dentro de nossas bocas,para que apodreçam conosco.
Que persista no tempo apenas aquilo que fomos capazes de criar.
Peço que amanhã de manhã, deus, eu seja acordado com o peso familiar de um certo corpo em cima do meu.
Que o sol invada minha barraca brando, resignado.
Então será o ano 2000, mas não fará diferença.



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Auditório Ibirapuera, SP, 2006.

Arthur de Faria - Piano e voz
Ricardo Arenhaldt - Bateria
Clóvis Boca Freire - Baixo
Marcão Acosta - Guitarra
Adolfo Almeida Júnior - Fagote
Sérgio Karam - Sax alto

Participação: Cida Moreira - Voz

Luz - Oswaldo Perrenoud