Invernáculo
Esta língua não é minha,
qualquer um percebe. Quem sabe maldigo mentiras, vai ver que só minto verdades. Assim me falo, eu, mínima, quem sabe, eu sinto, mal sabe. Esta não é minha língua. A língua que eu falo trava uma canção longínqua, a voz, além, nem palavra. O dialeto que se usa à margem esquerda da frase, eis a fala que me lusa, eu, meio, eu dentro, eu, quase. |
O que quer dizer
O que quer dizer diz.
Não fica fazendo o que, um dia, eu sempre fiz. Não fica só querendo, querendo, coisa que eu nunca quis. O que quer dizer, diz. Só se dizendo num outro o que, um dia, se disse, um dia, vai ser feliz. |
M. de memória
Os livros sabem de cor
milhares de poemas. Que memória! Lembrar, assim, vale a pena. Vale a pena o desperdício, Ulisses voltou de Tróia, assim como Dante disse, o céu não vale uma história. um dia, o diabo veio seduzir um doutor Fausto. Byron era verdadeiro. Fernando, pessoa, era falso. Mallarmé era tão pálido, mais parecia uma página. Rimbaud se mandou pra África, Hemingway de miragens. Os livros sabem de tudo. Já sabem deste dilema. Só não sabem que, no fundo, ler não passa de uma lenda. |
Parada cardíaca
Essa minha secura
essa falta de sentimento não tem ninguém que segure, vem de dentro. Vem da zona escura donde vem o que sinto. Sinto muito, sentir é muito lento. |
Razão de ser
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso, preciso porque estou tonto. Ninguém tem nada com isso. Escrevo porque amanhece, E as estrelas lá no céu Lembram letras no papel, Quando o poema me anoitece. A aranha tece teias. O peixe beija e morde o que vê. Eu escrevo apenas. Tem que ter por quê? |
Aviso aos náufragos
Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida. Nasceu para ser pálida, um mero plágio da Ilíada, alguma coisa que cala, folha que volta pro galho, muito depois de caída.
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida Himalaia, sílaba sentida, nasceu para ser última a que não nasceu ainda.
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo, um dia, esta pagina, papiro, vai ter que ser traduzida, para o símbolo, para o sânscrito, para todos os dialetos da Índia, vai ter que dizer bom-dia ao que só se diz ao pé do ouvido, vai ter que ser a brusca pedra onde alguém deixou cair o vidro. Não e assim que é a vida? |
Amar você é
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Poesia:
“words set to music” (Dante
via Pound), “uma viagem ao desconhecido” (Maiakóvski), “cernes e medulas” (Ezra Pound), “a fala do infalável” (Goethe), “linguagem voltada para a sua própria materialidade” (Jakobson), “permanente hesitação entre som e sentido” (Paul Valery), “fundação do ser mediante a palavra” (Heidegger), “a religião original da humanidade” (Novalis), “as melhores palavras na melhor ordem” (Coleridge), “emoção relembrada na tranquilidade” (Wordsworth), “ciência e paixão” (Alfred de Vigny), “se faz com palavras, não com ideias” (Mallarmé), “música que se faz com ideias” (Ricardo Reis/Fernando Pessoa), “um fingimento deveras” (Fernando Pessoa), “criticismo of life” (Mathew Arnold), “palavra-coisa” (Sartre), “linguagem em estado de pureza selvagem” (Octavio Paz), “poetry is to inspire” (Bob Dylan), “design de linguagem” (Décio Pignatari), “lo impossible hecho possible” (Garcia Lorca), “aquilo que se perde na tradução (Robert Frost), “a liberdade da minha linguagem” (Paulo Leminski)… |
Adminimistério
Quando o mistério chegar,
já vai me encontrar dormindo, metade dando pro sábado, outra metade, domingo. Não haja som nem silêncio, quando o mistério aumentar. Silêncio é coisa sem senso, não cesso de observar. Mistério, algo que, penso, mais tempo, menos lugar. Quando o mistério voltar, meu sono esteja tão solto, nem haja susto no mundo que possa me sustentar.
Meia-noite, livro aberto.
Mariposas e mosquitos pousam no texto incerto. Seria o branco da folha, luz que parece objeto? Quem sabe o cheiro do preto, que cai ali como um resto? Ou seria que os insetos descobriram parentesco com as letras do alfabeto? |
Sintonia para pressa e presságio
Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo, na pele, na palma, na pétala, luz do momento. Soo na dúvida que separa o silêncio de quem grita do escândalo que cala, no tempo, distância, praça, que a pausa, asa, leva para ir do percalço ao espasmo.
Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa e não cabe mais na sala. |
Não discuto
não discuto
com o destino o que pintar eu assino |
A lua no cinema
A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado, a história de uma estrela que não tinha namorado.
Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena, dessas que, quando apagam, ninguém vai dizer, que pena!
Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela, e toda a luz que ela tinha cabia numa janela.
A lua ficou tão triste
com aquela história de amor que até hoje a lua insiste: — Amanheça, por favor! |
Sem título
Eu tão isósceles
Você ângulo Hipóteses Sobre o meu tesão
Teses sínteses
Antíteses Vê bem onde pises Pode ser meu coração |