domingo, 31 de outubro de 2010

Carlos Drummond de Andrade - Os Ombros Suportam o Mundo

Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade


do livro Sentimento do Mundo, Irmãos Pongetti - Rio de Janeiro, 1940. 

Foram extraídos do livro "Nova Reunião", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1985, pág. 78.










Fotografia Leonora Fink - Juquehy, São Sebastião, SP







































Anahata Katkin

sábado, 30 de outubro de 2010

Nando Reis


Entre as coisas mais lindas que eu conheci
Só reconheci suas cores belas quando eu te vi
Entre as coisas bem-vindas que já recebi
Eu reconheci minhas cores nela, então eu me vi.




























































Renato Carosone - Picolissima Serenata

RENATO CAROSONE - PICOLISSIMA SERENATA
by G. FERRIO & A. AMURRI


Mi farò pensare un soldino di sole
Perche regalare lo voglio a te
Lo potrai posare sui biondi capelli
Quella nube d'oro accarezzerò...
Questa piccolissima serenata
Con un fìl di voce si può cantar
Ogni innamorato all'innamorata
La sussurrerà, la sussurrerà
Mi farò prestare un soldino di mare
Perchè regalare lo voglio a te
Lo potrai posare sugli occhi tuoi belli
Me tuo sguardo azzurro mi tufferò
Questa poccolissima serenata
Con un fil di voce si può cantar
Ogni innamorato all'innamorata
La sussurrerà, la sussurrerà
Mi faro prestare un soldino di cielo
Perchè regalare lo voglio a te
Lo potrai posare sul bianco tuo velo
Quando sull'altare ti porterò




























Vaya con Dios - What's a Woman

What's a Woman

Vaya Con Dios

D. Schoufs/D. Klein/J.M. Gielen


What´s a woman when a man
Don´t stand by her side?
What´s a woman when a man
Has secrets to hide?

She´ll be weak
She´ll be strong
Struggle hard
For so long

What´s a woman when a man
(What´s a man wihtout a woman?)
Don´t go by the rule?
What´s a woman when a man
(What´s a men without a woman?)
Makes her feel like a fool?

When right
Turns to wrong
She will try
To hold on to the ghosts of the past
When love was to last
Dreams from the past
Faded so fast

All alone
In the dark
She will swear
He´ll never mislead her again

All those dreams from the past
Faded so fast
Ghosts of the past
When love was to last

All alone
In the dark
She will swear cross her heart
Never again

Cross my heart
Never again















sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Hilda Hilst, Júbilo Memória Noviciado da Paixão, 1974

II

Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa rapacidade
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.

VIII

Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua

Aquietá-los.

Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.

Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.

Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.

Hilda Hilst, Júbilo Memória Noviciado da Paixão, 1974


































Bertolt Brecht

De todas as coisas seguras, a mais segura é a dúvida.


Bertolt Brecht

Clarice Lispector - Por não estarem distraídos

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter essa sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos. Clarice Lispector


























Poesia - Robert Espíndola

Sou flecha lançada ao vento...
Sou ave que se abate enquanto voa...
Você é a arqueira... fria, precisa,'vinde a mim', caçadora...
Que mais posso eu fazer além de ser ave e voar poraí livre, leve, cheia de penas, encantada e tola?
Agora cansada de voar, me mate, me abata, me alveje, me 'morra'...
Deixe-me preencher o seu vazio, ser o ego em sua mente, mais 'um' em sua lista empalhada na parede, assada na fogueira e comida em sua boca...
Sou ave que voa livre...
Você... assassina cruel, matadora...
Sou o amor...
Você, o objeto amado...
Rezo todos os dias por sua flecha.
Robert Espíndola














Affonso Romano de Sant'Anna - A Mulher Madura

A Mulher Madura

O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.

De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.

Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.

A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.

A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.

A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.

A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.

Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

A mulher madura é um ser luminoso é repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.

Affonso Romano de Sant'Anna
Foto: Catherine Deneuve

(15.9.85)


O texto acima foi extraído do livro "A Mulher Madura", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1986, pág. 09.




















































quinta-feira, 28 de outubro de 2010

E.E. Cummings - Poema

"nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto

teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa".... 



Trecho do poema de E.E. Cummings trad. Augusto de Campos





































































Pablo Neruda - A Noite na Ilha

A Noite na Ilha 

Dormi contigo a noite inteira junto do mar, na ilha.
Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.
Talvez bem tarde nossos
sonos se uniram na altura e no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento move,
embaixo como raízes vermelhas que se tocam.
Talvez teu sono se separou do meu e pelo mar escuro
me procurava como antes, quando nem existias,
quando sem te enxergar naveguei a teu lado
e teus olhos buscavam o que agora - pão,
vinho, amor e cólera - te dou, cheias as mãos,
porque tu és a taça que só esperava
os dons da minha vida.
Dormi junto contigo a noite inteira,
enquanto a escura terra gira com vivos e com mortos,
de repente desperto e no meio da sombra meu braço
rodeava tua cintura.
Nem a noite nem o sonho puderam separar-nos.
Dormi contigo, amor, despertei, e tua boca
saída de teu sono me deu o sabor da terra,
de água-marinha, de algas, de tua íntima vida,
e recebi teu beijo molhado pela aurora
como se me chegasse do mar que nos rodeia.

Pablo Neruda





Barra do Una, 2008 - Fotografia Leonora Fink













































terça-feira, 26 de outubro de 2010

Fernando Pessoa

... Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu. Fernando Pessoa








Fotografia Leonora Fink
Barra do Una - São Sebastião, SP - Brasil

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Alma Welt - Vida e obra

What a Wonderful World - Louis Armstrong

 Bob Thiele / George David Weiss / Robert Thiele Jr.
I see trees of green, red roses too
I see them bloom for me and you
And I think to myself, what a wonderful world
I see skies so blue and clouds of white
The bright blessed day, the dark sacred night
And I think to myself, what a wonderful world
The colors of the rainbow, so pretty in the sky
Are also on the faces of people going by
I see friends shaking hands, saying, "how do you do?"
They're really saying, "I love you"
I hear babies cry, I watch them grow
They'll learn much more, than I'll never know
And I think to myself, what a wonderful world
Yes, I think to myself, what a wonderful world

Fotografia Leonora Fink As Ilhas, Juquehy - São Sebastião, São Paulo - SP - Brasil