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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Assim falou Zaratustra - Terceira parte - Friedrich Nietzsche

“Acabo de te olhar nos olhos, vida; vi reluzir ouro nos teus olhos noturnos, e essa volutuosidade paralisou-me o coração: vi brilhar uma barca dourada que se submergia em águas noturnas, uma barca dourada que se submergia e reaparecia fazendo sinais!
Tu dirigias um olhar aos meus pés, doidos por dançar, um olhar acariciador, terno, risonho e interrogador,
Duas vezes apenas agitaste com as mãos as tuas castanholas, e já os pés me pulavam, ébrios.
Os calcanhares erguiam-se; os dedos escutavam para te compreender; não tem o dançarino os ouvidos nos dedos dos pés?
Saltei ao teu encontro; tu retrocedeste ao meu impulso, e até a mim serpeava a tua voadora e fugidia cabeleira.
Num pulo me afastei de ti e das tuas serpentes: já tu te erguias com os olhos cheios de desejos.
Com lânguidos olhares me mostras sendas tortuosas; por tortuosas sendas aprende astúcias o meu pé.
Receio-te quando te aproximas, amo-te quando estás longe; a tua fuga atrai-me; as tuas diligências detêm-me. Sofro; mas, por ti, que não sofreria eu?
Ó! tu, cuja frialdade incendeia, cujo ódio seduz, cuja fuga prende, cujos enganos comovem!
Quem te não odiará, grande carcereira, sedutora, esquadrinhadora e descobridora! Quem te não amará, inocente, impaciente, arrebatadora pecadora de olhos infantis!
Aonde me arrastas agora, indômito prodígio? E já me tornas a fugir, doce esquiva, doce ingrata!
Dançando sigo as tuas menores pisadas. Onde estás? Dá-me a mão! Ou um dedo sequer!
Há por aí cavernas e bosques; extraviar-nos-emos. Pára! Detém-te! Não vês revoarem corujas e morcegos?
Eh! lá, coruja! Morcego! Quereis brincar comigo? Onde estamos? Com os cães aprendestes a uivar e a rosnar.
Mostravas-me graciosamente os brandos dentes, e os teus malvados olhos asseteavam-me por entre as frisadas madeixas.
Que correria por montes e vales! Eu sou o caçador; queres tu ser o meu cão?
Agora, a meu lado! e depressa, invejável solitária! Acima agora! Ó! Ao voltar, caí.
Olha como estou aqui estendido! Olha, altaneira, como imploro o teu socorro! Quereria continuar contigo... por caminhos mais agradáveis! pelos caminhos do amor, através de esmaltados bosques! ou pelos que marginam o lago, onde nadam e saltam dourados peixes!
Estás cansada, agora? Ali em baixo há ovelhas e vespertinos arrebóis. Não é tão bom adormecer ao som da flauta dos pastores?
Então, estás assim cansada? Vou-te levar lá; ao menos deixa pender os braços. E tens sede?... Poderia dar-te qualquer coisa... Mas a tua boca não quer beber.
Que maldita serpente esta! feiticeira fugidia, veloz e ágil. Aonde te meteste? Sinto na cara dois sinais da tua mão, dois sinais vermelhos!
Estou deveras farto de te seguir sempre como ingênuo cordeirinho! Feiticeira, até agora cantei para ti: agora, para mim deves tu... gritar!
Deves dançar e gritar ao compasso de meu látego!
Esquecê-lo-ia eu? Não!” II
Eis o que então respondeu a vida;, tapando os delicados ouvidos:
“Ó! Zaratustra! Não vibres tão espantosamente o látego! Bem sabes que o ruído assassina os pensamentos... e assaltam-me agora pensamentos tão ternos!
Nós não somos bons nem maus para nada! Além do bem e do mal encontrámos a nossa ilha e o nosso verde prado: só nos dois o encontrámos! Por isso nos devemos amar um ao outro!
E conquanto nos não amemos de todo o coração, será caso para nos enfadarmos? Enfadam-se as pessoas por não se amarem de todo o coração?
É que eu te amo, te amo muitas vezes com excesso, sabe-lo demais, a razão é que estou ciosa da tua sabedoria. Ah! que velha louca é a sabedoria!!
Se alguma vez a tua sabedoria te deixasse, também logo o meu amor te deixaria.”
Então a vida olhou pensativa para trás e em torno de si, e disse em voz baixa: “Ó! Zaratustra, não me és bastante fiel!
Ainda falta muito para me teres o amor que dizes; sei que pensas deixar-me breve.
Há um velho bordão pesado, pesadíssimo, que ressoa de noite até lá acima, à tua caverna; quando ouves esse sino dar a meia-noite, pensas — bem o sei, Zaratustra — pensas deixar-me breve!”
“Assim é — respondi titubeando; — mas tu também sabes...” E disse-lhe uma coisa ao ouvido, colado à sua emaranhada cabeleira, às suas douradas e revoltas madeixas.
“Tu sabes isso, Zaratustra? Ninguém sabe isso...
Olhamo-nos, e dirigimos o nosso olhar para o verde prado por onde corria a frescura da tarde, e choramos juntos. Mas então a vida era para mim mais cara do que jamais o foi toda a minha sabedoria”.
Assim falava Zaratustra. III
Uma!
Alerta, homem!
Duas!
Que diz a meia-noite profunda?
Três!
“Tenho dormido, tenho dormido...
Quatro!
“De um profundo sono despertei.
Cinco!
“O mundo é profundo...
Seis!
“E mais profundo do que o dia julgava.
Sete!
“Profunda é a sua dor...
Oito!
“E a alegria... mais profunda que a aflição.
Nove!
“A dor diz: Passa!
Dez!
“Mas toda alegria quer a eternidade...
Onze!
“Quer profunda eternidade!
Doze!