segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Amor e seu tempo - Carlos Drummond de Andrade

Amor e seu tempo


Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.


É isto, amor: o ganho não previsto,
o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe


valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.


Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.


Carlos Drummond de Andrade

sábado, 13 de dezembro de 2008

Soneto - Chico Buarque de Hollanda

Soneto
Chico Buarque, 1972
Para o filme Quando o carnaval chegar, Cacá Diegues




Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono


Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo


Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar com que navio
E me deixaste só, com que saída


Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Carlos Drummond de Andrade - Amar - Paulo Autran

Amar


Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?


Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?


Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.


Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.


Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.


Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade

"O mundo é grande e cabe nesta janela para o mar


O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar


O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar"






Carlos Drummond Andrade

Maria Bethânia - poema de Fauzi Arap - Jeito estúpido de amar

Texto de Fauzi Arap Com Fundo Musical Jogo de Damas Maria Bethânia


Eu vou te contar que você não me conhece,
E eu tenho que gritar isso porque você está surdo e não
Me ouve.
A sedução me escraviza a você
Ao fim de tudo você permanece comigo mas preso ao que
Eu criei
E não a mim.

E quanto mais falo sobre a verdade inteira um abismo
Maior nos separa.
Você não tem um nome, eu tenho.
Você é um rosto na multidão e eu sou o centro das
Atenções.

Mas a mentira da aparencia do que eu sou,
E a mentira da aparencia do que você é.
Porque eu,
Eu não sou o meu nome,
E você não é ninguém.

O jogo perigoso que eu pratico aqui,
Ele busca chegar ao limite possível de aproximação,
Através da aceitação da distância e do reconhecimento
Dela.

Entre eu e você existe
A noticia que nos separa
Eu quero que você me veja nu
Eu me dispo da noticia
E a minha nudez parada
Te denuncia e te espelha
Eu me delato
Tu me relatas
Eu nos acuso e confesso por nós
Assim me livro das palavras
Com as quais
Você me veste.


sexta-feira, 28 de novembro de 2008

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

O mar - Leonora Fink

Encontro afinal, o mar.
Portal líquido, para atravessar.
Nado movimentos vivos.


Mergulho pupilas sem fim.
Escorro, maré vazante.
Nua, a desenhar na areia.
Espero o retorno do ar.




Leonora Fink

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Eros e Psiquê - Fernando Pessoa




"Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
Do além do muro da estrada.


Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.


A Princesa adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.


Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.


Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.


E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.


E,inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia."


Maria Bethania canta Vila do Adeus e declama a poesia Eros e Psiquê no Prêmio Shell 2008
http://br.youtube.com/watch?v=LEKA1mAVrJ8









sábado, 1 de novembro de 2008

Portas e janelas - Leonora Fink

Fotografia Leonora Fink







































Se as cidades já não têm portas
e as casas são trancadas,
por trincos e tramelas,
nelas se entra e sai,
feito o sol,
pelas janelas. Leonora Fink