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terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Rubem Alves , O AMOR QUE ACENDE A LUA.

O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: "Se eu fosse você". A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção.

Rubem Alves , O AMOR QUE ACENDE A LUA.

domingo, 6 de julho de 2014

Rubem Alves - “Do universo à jabuticaba”

"Senti que o tempo é apenas um fio. Nesse fio vão sendo enfiadas todas as experiências de beleza e de amor por que passamos. Aquilo que a memória amou fica eterno. Um pôr do sol, uma carta que recebemos de um amigo, os campos de capim-gordura brilhando ao sol nascente, o cheiro do jasmim, um único olhar de uma pessoa amada, a sopa borbulhante sobre o fogão de lenha, as árvores do outono, o banho da cachoeira, mãos que seguram, o abraço do filho: houve muitos momentos de tanta beleza em minha vida que eu disse: ‘Valeu a pena eu haver vivido toda a minha vida só para poder ter vivido esse momento. Há momentos efêmeros que justificam toda uma vida’."
Rubem Alves, em “Do universo à jabuticaba”. São Paulo: Planeta do Brasil, 2010, p. 144.

sábado, 1 de setembro de 2012

Rubem Alves

Não foi à toa que Adélia Prado disse que 'erótica é a alma'. Enganam-se aqueles que pensam que erótico é o corpo. O corpo só é erótico pelos mundos que andam nele. A erótica não caminha segundo as direções da carne. Ela vive nos interstícios das palavras. Não existe amor que resista a um corpo vazio de fantasias. Um corpo vazio de fantasias é um instrumento mudo, do qual não sai melodia alguma. Por isso, Nietzsche disse que só existe uma pergunta a ser feita quando se pretende casar: 'continuarei a ter prazer em conversar com esta pessoa daqui a 30 anos?

Rubem Alves

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A COMPLICADA ARTE DE VER - RUBEM ALVES

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".
Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...

O texto acima foi extraído da seção "Sinapse", jornal "Folha de S.Paulo", versão on line, publicado em 26/10/2004

sábado, 11 de agosto de 2012

Rubem Alves

‎Há seres privilegiados - eles bem que poderiam ser 
chamados de anjos -, aos quais é dado acesso a esse 
mundo espiritual de beleza. Eles veem e ouvem aquilo que 
nós nem vemos nem ouvimos. E transformam então o que 
viram e ouviram em objetos belos que o corpo pode ver e 

ouvir. É assim que nasce a arte. Ao ouvir uma música que
me comove por sua beleza, eu me reencontro com a
mesma beleza que estava adormecida em mim.

- Rubem Alves, In: Pimentas-para provocar um incêndio não
é preciso fogo.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Rubem Alves

Há seres privilegiados-eles bem que poderiam ser 
chamados de anjos-, aos quais é dado acesso a esse 
mundo espiritual de beleza. Eles veem e ouvem aquilo que
nós nem vemos nem ouvimos. E transformam então o que 
viram e ouviram em objetos belos que o corpo pode ver e 

ouvir. É assim que nasce a arte. Ao ouvir uma música que
me comove por sua beleza, eu me reencontro com a
mesma beleza que estava adormecida em mim.

Rubem Alves, In: Pimentas-para provocar um incêndio não
é preciso fogo.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Rubem Alves - A alegria de ensinar

‎O nascimento do pensamento é igual ao nascimento de uma criança: tudo começa com um ato de amor. Uma semente há de ser depositada no ventre vazio. E a semente do pensamento é o sonho. Por isso os educadores, antes de serem especialistas em ferramentas do saber, deveriam ser especialistas em amor: intérpretes de sonhos.

Rubem Alves, em "A alegria de ensinar".

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Rubem Alves

As relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.


Rubem Alves

sexta-feira, 2 de março de 2012

Rubem Alves - educador - Pensamento

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas _e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo. Rubem Alves, educador.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Rubem Alves - Pensamento

‎Quem tenta ajudar a borboleta
a sair do casulo a mata.
Quem tenta ajudar um broto
a sair da semente o destrói. 
Há certas coisas que
não podem ser ajudadas.
Tem que acontecer
de dentro para fora.

Rubem Alves

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Rubem Alves

‎Não havíamos marcado hora, não havíamos marcado lugar. E, na infinita possibilidade de lugares, na infinita possibilidade de tempos, nossos tempos e nossos lugares coincidiram. E deu-se o encontro.

Rubem Alves

sábado, 17 de dezembro de 2011

Rubem Alves

http://www.youtube.com/watch?v=ykTVjILFy-I&feature=related


Cartas de amor são escritas não para dar notícias, não para contar nada, mas para que mãos separadas se toquem ao tocarem a mesma folha de papel.

Rubem Alves

sábado, 15 de outubro de 2011

Rubem Alves - Quando você encontrar a outra metade da sua alma

Rubem Alves - Quando você encontrar a outra metade da sua alma




Quando você encontrar a outra metade da sua alma,
você vai entender porque todos os outros amores
deixaram você ir. Quando você encontrar a pessoa
que REALMENTE merece o seu coração, você vai
entender porque as coisas não funcionaram com
todos os outros...O que as pessoas mais desejam é
alguém que as escute de maneira calma e tranquila.
Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam:
“Se eu fosse você”. A gente ama não é a pessoa que
fala bonito. É a pessoa que escuta bonito.
A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e
silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa.
E é na não-escuta que ele termina.
Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção.

Rubem Alves

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Rubem Alves - O vazio

Minhas netas: Hoje quero que vocês me respondam uma pergunta: o que é que vale mais, o cheio ou o vazio? Ah! Pergunta boba! Todo mundo sabe que o que o cheio vale mais que o vazio. Quem gostaria de receber uma caixa vazia como presente de aniversário? O que a gente quer é uma caixa cheia. É o cheio que vale. Tanto assim que o cheio custa dinheiro. Mas o vazio não custa nada. Ninguém compra o vazio.

Parece óbvio que o cheio vale mais que o vazio... Mas será mesmo? É gostoso comprar uma sandália nova. Mas uma sandália é para a gente pôr os pés dentro dela. Mas para se pôr os pés dentro dela é preciso que o “dentro dela” esteja vazio. Se o “dentro dela“ estiver cheio o pé não entra. É o vazio da sandália que a torna útil. Vocês gostam de refrigerante. Querem pôr o refrigerante no copo. Mas para se pôr o refrigerante no copo é preciso que o copo esteja vazio. Um copo é um vazio cercado de vidro por todos os lados, menos o de cima. Aí você dá uma risadinha e diz: “Eu não preciso de copo. Uso um canudinho de plástico...“ Mas o canudinho só funciona se estiver vazio. É preciso que ele esteja vazio para que o refrigerante passe por dentro dele quando você chupa. Na escola o professor já lhes explicou como são os pulmões? Eles se parecem com um esponja: são cheios de buraquinhos vazios. Os buraquinhos têm de estar vazios para que o ar entre neles. Coisa ruim é quando, resfriados, os pulmões ficam “cheios“. Pulmão cheio não deixa respirar. Coisa gostosa é andar de bicicleta. Você pedala, as rodas rodam, e lá vai você sentindo o ventinho gostoso no rosto. Mas as rodas, para girarem, precisam ter um buraco no meio. É nesse buraco que entra o eixo. É o vazio no centro da roda que a torna útil. Vocês gostam de bolo. Eu também. Para se fazer um bolo a gente procura a receita num livro de receitas. A primeira coisa que aparece numa receita são os “ingredientes“: farinha, ovos, açúcar, manteiga, leite e outras coisas. Mas eu nunca vi, em livro de receitas, explicado que se não se misturar uma pitada de vazio com os ingredientes, o bolo não fica bom. Fica “embatumado“, pesado, ruim. É o vazio que faz o bolo ficar fofinho e leve. Aí você me pergunta: “Mas como se faz para misturar o vazio na massa do bolo?“ É simples. É para isso que se batem as claras dos ovos. As claras, sem bater, são só o “cheio“. Mas, depois de batidas, estão cheias de vazio. Vocês sabem bater claras? É divertido. A gente pega um garfo e vai enrolando a clara com movimentos circulares rápidos. Para quê? Para pescar vazio. Depois de batidas as claras, olhem bem: elas se transformaram numa espuma, milhares de bolhas minúsculas. Dentro de cada bolha está um pouquinho de ar. O fermento faz o mesmo efeito. Misturado com a massa o fermento começa a produzir bolhas bem pequenas de um gás, semelhantes àquelas que existem dentro das garrafas de refrigerantes. A casa também é um vazio cercado de paredes. Para isso servem as paredes: para pegar o vazio e permitir que ele seja usado. Os arquitetos e arquitetas são os artistas que sabem a arte de pegar vazios por meio de paredes. E as janelas? Também são vazios. Buracos. Já imaginaram uma casa sem janelas? Seria horrível viver numa casa sem janelas. Só conheço uma casa sem janelas: os prédios do Congresso Nacional, em Brasília. Parece que a ausência de janelas não faz bem nem para os sentimentos e nem para os pensamentos... É o vazio entre os meus olhos e o jardim que me permite ver o jardim. É o vazio chamado “silêncio“ que me permite ouvir a música. E o espelho? Para ser bom, para refletir o seu rosto, é preciso que seja vazio.

Agora uma de vocês me diz: “Mas vô: faz tempo que você está contando como era a sua vida de menino, na roça! E agora você começa a falar sobre o vazio...“ Aí eu explico: “É que a roça é o lugar onde o vazio é grande. A cidade é o lugar onde o vazio é pequeno.“ Na cidade a gente olha para fora e os olhos logo batem num edifício, num muro, nos automóveis. Na cidade a gente vê curto. Na roça, porque o vazio é grande, os olhos vêem longe, muito longe: os campos, as matas, as montanhas no horizonte, o sol que morre, a lua que nasce, as estrelas... Que coisa bonita é ver a cortina branca da chuva que vai chegando... Quando o vazio é grande o mundo cresce. Coisa que eu gostava de fazer quando menino: deitar no capim e ficar vendo as nuvens. Pareciam navios navegando no mar do céu, mudando de forma, sem parar: o pato virava regador, o regador virava elefante... Eu não entendia uma coisa: como é que as nuvens não caíam! De vez em quando elas caíam como chuva de água ou chuva de pedra de gelo. Disso eu concluía que nuvem era água e gelo. Aí eu me perguntava: como é que água e gelo ficam lá em cima, flutuando como se fossem flocos de algodão? E os urubus? Todo mundo acha que urubu é ave feia. Discordo. Vocês já pararam para ficar olhando o vôo dos urubus? Pensando no vôo dos urubus eu me lembrei de uns versos da Cecília Meireles: “Os dias felizes estão entre as árvores, como pássaros: viajam nas nuvens, correm nas águas, desmancham-se na areia. Todas as palavras são inúteis, desde que se olha para o céu. A doçura maior na vida flui na luz do sol, quando se está em silêncio. Até os urubus são belos, no largo círculos dos dias sossegados...“ Os urubus voam muito alto – parecem uns pontinhos negros no azul vazio do céu. Para voar eles nem batem asas. Eles flutuam nas correntes de ar quente que sobem. Foram os urubus que ensinaram os homens a voar com as asas delta. Se não fosse o vazio do céu não haveria nem o vôo dos pássaros e nem o vôo dos homens.

Na roça, porque o vazio era grande, a liberdade era grande também. O vazio é um lugar bom para brincar. Se não fosse o vazio do céu, como é que eu poderia empinar uma pipa? Se não fosse o vazio debaixo da árvore, como é que eu ia balançar, até bater com a ponta do pé na folha do galho alto? Os campos eram imensos vazios, sem cercas. De manhã, depois do café com leite, pão e manteiga, eu saía para fora. Não era preciso prestar atenção no tráfego para não ser atropelado. Não havia automóveis correndo e buzinando. No vazio eu era um menino livre, brincalhão... Meus pensamentos voavam com as nuvens e os urubus...

E havia também um vazio chamado silêncio. Silêncio é quando não há ruídos e barulhos. Na cidade não há o vazio do silêncio: nossas casas são invadidas pelo ronco das motocicletas, das buzinas, do som a todo volume. Quando o espaço está vazio de barulhos a gente pode escutar as músicas da natureza. Há 150 anos um chefe índio dos Estados Unidos escreveu uma carta ao presidente daquele país falando sobre as cidades dos ditos civilizados. Disse ele: “Não há lugar calmo nas cidades do homem branco. Nenhum lugar para escutar o desabrochar das folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. A barulheira ofende os ouvidos. E o que resta da vida se um homem não pode escutar o choro solitário de um pássaro ou o coaxar dos sapos à volta de uma lagoa, à noite...“ Vocês já ouviram a música das folhas das árvores sacudidas pelo vento? Já ouviram o canto de um sabiá no meio da mata, ao entardecer? O zumbido das abelhas em busca de flores?

A vida precisa do vazio: a lagarta dorme num vazio chamado casulo até se transformar em borboleta. A música precisa de um vazio chamado silêncio para ser ouvida. Um poema precisa do vazio da folha de papel em branco para ser escrito. E as pessoas, para serem belas e amadas, precisam ter um vazio dentro delas. A maioria acha o contrário; pensa que o bom é ser cheio. Essas são as pessoas que se acham cheias de verdades e sabedoria e falam sem parar. São umas chatas quando não são autoritárias. Bonitas são as pessoas que falam pouco e sabem escutar. A essas pessoas é fácil amar. Elas estão cheias de vazio. E é no vazio da distância que vive a saudade...

A roça é o lugar onde o vazio é grande. O vazio grande da roça, com seus espaços e silêncios, é o colo da natureza, nossa mãe de onde saímos e para onde haveremos de voltar... Assentados no colo da mãe o medo se vai e tudo fica bom. A cidade é o cheio. A roça é o vazio. Tenho saudade do vazio da roça...

(Correio Popular, Caderno C, 24/02/2002)