quarta-feira, 5 de março de 2014

My Girl - The Temptations

My Girl - The Temptations

https://www.youtube.com/watch?v=4P1x7Yy9CXI



I've got sunshine on a cloudy day.

When it's cold outside I've got the month of May.

I guess you'd say
What can make me feel this way?
My girl (my girl, my girl)
Talkin' 'bout my girl (my girl).

I've got so much honey the bees envy me.
I've got a sweeter song than the birds in the trees.

Well, I guess you'd say
What can make me feel this way?
My girl (my girl, my girl)
Talkin' 'bout my girl (my girl).

Hey hey hey
Hey hey hey
Ooooh.

I don't need no money, fortune or fame.
I've got all the riches, baby, one man can claim.

Well, I guess you'd say
What can make me feel this way?
My girl (my girl, my girl)
Talkin' 'bout my girl (my girl).

I've got sunshine on a cloudy day
With my girl.
I've even got the month of May
With my girl
Talkin' 'bout
Talkin' 'bout
Talkin' 'bout
My girl
Ooooh
My girl
As long as I can talk about my girl...

Can't Take My Eyes off You - Frankie Valli and The 4 Seasons

Can't Take My Eyes off You - Frankie Valli and The 4 Seasons


https://www.youtube.com/watch?v=NGFToiLtXro


You're just too good to be true
Can't take my eyes off you
You feel like heaven to touch
I wanna hold you so much
At long last love has arrived
And I thank God I'm alive
You're just too good to be true
Can't take my eyes off you
Pardon the way that I stare
There's nothing else to compare
The sight of you makes me weak
There are no words left to speak
But if you feel like I feel
Please let me know that it's real
You're just to good to be true
Can't take my eyes off you
I love you baby, and if it's quite alright
I need you baby to warm the lonely nights
I love you baby, trust in me when I say
Oh pretty baby, don't bring me down I pray
Oh pretty baby, now that I found you, stay
And let me love you baby, let me love you
You're just too good to be true
Can't take my eyes off you
You feel like heaven to touch
I wanna hold you so much
At long last love has arrived
And I thank God I'm alive
You're just too good to be true
Can't take my eyes off you
I love you baby, and if it's quite alright
I need you baby to warm the lonely nights
I love you baby, trust in me when I say
Oh pretty baby, don't bring me down I pray
Oh pretty baby, now that I found you, stay
And let me love you baby, let me love you.

terça-feira, 4 de março de 2014

PABLO NERUDA - No hay pura Luz

PABLO NERUDA - No hay pura Luz

NO hay pura luz
ni sombra en los recuerdos:
éstos se hicieron cárdena ceniza
o pavimento sucio
de calle atravesada por los pies de las gentes
que sin cesar salía y entraba en el mercado.

Y hay otros: los recuerdos buscando aún qué morder
como dientes de fiera no saciada.
Buscan, roen el hueso último devoran
este largo silencio de lo que quedó atrás.

Y todo quedó atrás, noche y aurora,
el día suspendido como un puente entre sombras,
las ciudades, los puertos del amor y el rencor,
como si al almacén la guerra hubiera entrado
llevándose una a una todas las mercancías
hasta que a los vacíos anaqueles
llegue el viento a través de las puertas deshechas
y haga bailar los ojos del olvido.

Por eso a fuego lento surge la luz del día,
el amor, el aroma de una niebla lejana
y calle a calle vuelve la ciudad sin banderas
a palpitar tal vez y a vivir en el humo.

Horas de ayer cruzadas por el hilo
de una vida como por una aguja sangrienta
entre las decisiones sin cesar derribadas,
el infinito golpe del mar y de la duda
y la palpitación del cielo y sus jazmines.

Quién soy Aquél? Aquel que no sabía
sonreír, y de puro enlutado moría?
Aquel que el cascabel y el clavel de la fiesta
sostuvo derrocando la cátedra del frío?

Es tarde, tarde. Y sigo. Sigo con un ejemplo
tras otro, sin saber cuál es la moraleja,
porque de tantas vidas que tuve estoy ausente
y soy, a la vez soy aquel hombre que fui.

Tal vez es éste el fin, la verdad misteriosa.

La vida, la continua sucesión de un vacío
que de día y de sombra llenaban esta copa
y el fulgor fue enterrado como un antiguo príncipe
en su propia mortaja de mineral enfermo,
hasta que tan tardíos ya somos, que no somos:
ser y no ser resultan ser la vida.

De lo que fui no tengo sino estas marcas crueles,
porque aquellos dolores confirman mi existencia.




Gritos e Sussurros - Ingmar Bergman - Filme Completo

Gritos e Sussurros - Filme Completo


http://www.youtube.com/watch?v=ZZSvUJtuy5s

Fernando Pessoa - O guardador de rebanhos

Fernando Pessoa - Alberto Caieiro - O guardador de rebanhos 



[213]


Num meio dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu,
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras,
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem

E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três,
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz

E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz no braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras nos burros,
Rouba as frutas dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas,
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus,
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia,
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.

Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que as criou, do que duvido" -
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
mas os seres não cantam nada,
se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres".
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
..........................................................................

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade

Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos,
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
.................................................................................

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
....................................................................................

Esta é a história do meu Menino Jesus,
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

Fernando Pessoa - Se Te Queres Matar

Fernando Pessoa - Se Te Queres Matar


http://www.youtube.com/watch?v=rMZBZGWMzV8

Se te Queres MatarSe te queres matar, por que não te queres matar? 
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida, 
Se ousasse matar-me, também me mataria... 
Ah, se ousares, ousa! 
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas 
A que chamamos o mundo? 
A cinematografia das horas representadas 
Por atores de convenções e poses determinadas, 
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím? 
De que te serve o teu mundo interior que desconheces? 
Talvez, matando-te, o conheças finalmente... 
Talvez, acabando, comeces... 
E, de qualquer forma, se te cansa seres, 
Ah, cansa-te nobremente, 
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira, 
Não saúdes como eu a morte em literatura! 

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente! 
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém... 
Sem ti correrá tudo sem ti. 
Talvez seja pior para outros existires que matares-te... 
Talvez peses mais durando, que deixando de durar... 

A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado 
De que te chorem? 
Descansa: pouco te chorarão... 
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco, 
Quando não são de coisas nossas, 
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte, 
Porque é coisa depois da qual nada acontece aos outros... 

Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda 
Do mistério e da falta da tua vida falada... 
Depois o horror do caixão visível e material, 
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali. 
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas, 
Lamentando a pena de teres morrido, 
E tu mera causa ocasional daquela carpidação, 
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas... 
Muito mais morto aqui que calculas, 
Mesmo que estejas muito mais vivo além... 
Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova, 
E depois o princípio da morte da tua memória. 
Há primeiro em todos um alívio 
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido... 
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente, 
E a vida de todos os dias retoma o seu dia... 

Depois, lentamente esqueceste. 
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente: 
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste. 
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada. 
Duas vezes no ano pensam em ti. 
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram, 
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti. 

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos... 
Se queres matar-te, mata-te... 
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência! ... 
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida? 

Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera 
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor? 

Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida? 
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem. 
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma? 

És importante para ti, porque é a ti que te sentes. 
És tudo para ti, porque para ti és o universo, 
E o próprio universo e os outros 
Satélites da tua subjetividade objetiva. 
És importante para ti porque só tu és importante para ti. 
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim? 

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido? 
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces, 
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial? 

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida? 
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente, 
Torna-te parte carnal da terra e das coisas! 
Dispersa-te, sistema físico-químico 
De células noturnamente conscientes 
Pela noturna consciência da inconsciência dos corpos, 
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências, 
Pela relva e a erva da proliferação dos seres, 
Pela névoa atômica das coisas, 
Pelas paredes turbihonantes 
Do vácuo dinâmico do mundo... 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

Hilda Hilst

"A vida foi isso de sentir o corpo, contorno, vísceras, respirar, ver, mas nunca compreender. Por isso é que me recusava muitas vezes. queria o fio lá de cima, o tenso que o OUTRO segura, o OUTRO, entendes?"

- Hilda Hilst, in "a obscena senhora D".

Stevie Wonder - My Cherie Amour

Stevie Wonder - My Cherie Amour


http://www.youtube.com/watch?v=b0Gu-CyE-NQ

La la la la la la, La la la la la la

My cherie amour, lovely as a summer day
My cherie amour, distant as the milky way
My cherie amour, pretty little one that I adore
You're the only girl my heart beats for
How I wish that you were mine

In a cafe or sometimes on a crowded street
I've been near you, but you never noticed me
My cherie amour, won't you tell me how could you ignore
That behind that little smile I wore
How I wish that you were mine

La la la la la la, La la la la la la
La la la la la la, La la la la la la

Maybe someday, you'll see my face among the crowd
Maybe someday, I'll share your little distant cloud
Oh, cherie amour, pretty little one that I adore
You're the only girl my heart beats for
How I wish that you were mine

La la la la la la, La la la la la la
La la la la la la, La la la la la la


SUNDAY - I'M GONNA GET MARRIED

SUNDAY - I'M GONNA GET MARRIED


http://www.youtube.com/watch?v=RCc8Esx7qIc

I'm Gonna Get Married 
Kind of love
Just a very special kind of love
Just a very special dream I know I've never lived before
'Til I fell in love with you

Now the leaves are turning apple green
Now my lonely nights are through

These magic moments We're wastin' baby
Let me tie some flowers in your hair
Makin' memories in a summer rainstorm
It's love It's love We only have love to share

I'm Gonna Get Married
And surrey down the aisle on wings of love

Kind of love
Just a very special kind of love

Now you give my heart a song to sing
Lyrics of the many splendored thing

You pass my chair Mess up my hair
All of these little things mean alot
Do I love you? You know I love you
This Merry-Go-Round of love will never stop

I'm Gonna Get Married
And surrey down the aisle on wings of love


segunda-feira, 3 de março de 2014

Manoel de Barros

"Sou uma mulher cheia de recantos.
Os desvãos me constam
Tem hora leio avencas.
Tem hora, Proust.
Ouço aves e Beethovens."


Manoel de Barros

Poema do Menino Jesus - Fernando Pessoa

Poema do Menino Jesus - Fernando Pessoa

http://www.youtube.com/watch?v=gWI1gs0dJYk


Poema do Menino Jesus

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
(...)

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão 
E olha devagar para elas.

(...)

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

(...)

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam        Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)


Fernando Pessoa - Sonho Impossível

Fernando Pessoa - Sonho Impossível

http://www.youtube.com/watch?v=lDXtskH298k


Eu tenho uma espécie de dever,
de dever de sonhar,
de sonhar sempre,
pois sendo mais do que
uma espectadora de mim mesma,
eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso.
E assim me construo a ouro e sedas,
em salas supostas, invento palco, cenário,
para viver o meu sonho
entre luzes brandas
e músicas invisíveis.
(Fernando Pessoa)
Sonhar mais um sonho impossível
Lutar quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender
Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar num limite provável
Tocar o inacessível chão
É minha lei, é minha questão
Virar este mundo, cravar este chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã se este chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu
Delirar e morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão

FERNANDO PESSOA - Segue o teu destino - Odes de Ricardo Reis

    FERNANDO
    PESSOA

    Odes de
    Ricardo Reis


    http://www.youtube.com/watch?v=k7EQO3sA6Ls

    Segue o teu destino,
    Rega as tuas plantas,
    Ama as tuas rosas.
    O resto é a sombra
    De árvores alheias.

    A realidade
    Sempre é mais ou menos
    Do que nós queremos.
    Só nós somos sempre
    Iguais a nós-próprios.

    Suave é viver só.
    Grande e nobre é sempre
    Viver simplesmente.
    Deixa a dor nas aras
    Como ex-voto aos deuses.

    Vê de longe a vida.
    Nunca a interrogues.
    Ela nada pode
    Dizer-te. A resposta
    Está além dos deuses.

    Mas serenamente
    Imita o Olimpo
    No teu coração.
    Os deuses são deuses
    Porque não se pensam.


    Ricardo Reis, 1-7-1916

Prece - Fernando Pessoa

Prece  - Fernando Pessoa 
http://www.youtube.com/watch?v=1M8f3mKNYYU

Senhor, que és o Céu e a Terra, que és a Vida e a Morte 
O Sol és Tu e a Lua és Tu e o Vento és Tu, também
Onde nada está, Tu habitas 
Onde tudo está - (o Teu templo) - eis o Teu corpo
Dá-me alma para Te servir e alma para Te amar.
Dá-me vista para Te ver sempre no Céu e na Terra
Ouvidos para Te ouvir no Vento e no Mar
E mãos para trabalhar em Teu nome. Torna-me puro como a Água e alto como o Céu
Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos
Nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos
Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos
E Te servir como a um pai.
Minha vida seja digna da Tua presença
Meu corpo seja digno da Terra, Tua cama
Minha alma possa aparecer diante de Ti
como um filho que volta ao lar Torna-me grande como o Sol
para que eu Te possa adorar em mim
Torna-me puro como a Lua
para que eu Te possa rezar em mim
E torna-me claro como o Dia
para que eu Te possa ver sempre em mim
Senhor, protege-me e ampara-me
Dá-me que eu me sinta Teu
Senhor, livra-me de mim!