domingo, 8 de agosto de 2010

Affonso Romano de Sant'Anna


"Despir um corpo a primeira vez
é um conhecimento entre dois deuses.
Não se pode profanar o instante.
E os amantes devem manter o ritmo dos altares.
Porque, embora nesses rituais haja sempre
panos e trajes para agradar o Olimpo,
é pra nudez total que o céu nos quer quebrar.

As mãos têm que ter um compasso certo e não podem se apressar.
Com os olhos, têm que aprender e, com a ponta
dos dedos, contemplar os acordes que irão
surgindo quando, peça por peça,
o corpo for se desvestindo ao pé do altar.
Antes de se tocar com as mãos e lábios,
na verdade, já se tocou o corpo alheio
com um distraído olhar sempre envolvente.
E ninguém toca um corpo impunemente.
Um corpo é surpresa, sempre.

Despir um corpo a primeira vez
não é coisa de amador.
Só se o amador for amador da arte de amar,
porque o corpo do outro não pode ter
a sensação de perda, mas a certeza de que
algo nele se somou, que ele é um objeto
luminoso que a outros deve iluminar.
Um corpo a primeira vez, no entanto,
é frágil e pode trincar em alguma parte.
E os menos resistentes se partem,
quando aquele que os tocam
os toca apenas com cobiça e nunca
a generosa mansidão de quem veio
pela primeira vez, e sempre, para amar." 

Affonso Romano de Sant'Anna

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