sexta-feira, 27 de agosto de 2010

RAINER MARIA RILKE - AS ELEGIAS DE DUÍNO - por Draco Durant

RAINER MARIA RILKE

AS ELEGIAS DE DUÍNO

Quem se eu gritasse, me ouviria pois entre as ordens
...
Dos anjos? E dado mesmo que me tomasse
Um deles de repente em seu coração, eu sucumbiria
Ante sua existência mais forte.
Pois o belo não é
Senão o início do terrível,
que já a custo suportamos,
E o admiramos tanto porque ele tranqüilamente desdenha
Destruir-nos.
Cada anjo é terrível.
E assim me contenho pois, e reprimo o apelo


De obscuro soluço.
Ah! A quem podemos Recorrer então?
Nem aos anjos nem aos homens,
E os animais sagazes logo percebem
Que não estamos muito seguros
No mundo interpretado.
Resta-nos talvez
Alguma árvore na encosta que diariamente
Possamos rever.
Resta-nos a rua de ontem
E a mimada fidelidade de um hábito,
Que se compraz conosco e assim fica e não nos abandona.
Ó e a noite, a noite, quando o vento cheio dos espaços
Do mundo desgasta-nos o rosto -, para quem ela não é sempre a desejada, Levemente decepcionante, que para o solitário coração
Se impõe penosamente.
Ela é mais leve para os amantes?
Ah! Eles escondem apenas um com o outro a própria sorte.
Não o sabes ainda?
Atira dos braços o vazio
Para os espaços que respiramos; talvez que os pássaros
Sintam o ar mais vasto num vôo mais íntimo.


Sim, as primaveras precisavam de ti.
Muitas estrelas
Esperavam que tu as percebesses.
Do passado
Erguia-se uma vaga aproximando-se, ou
Ao passares sob uma janela aberta,
Um violino se entregava.
Tudo isso era missão.
Mas a levaste ao fim?
Não estavas sempre
Distraído pela espera, como se tudo te ansiasse
A bem amada? (onde queres abrigá-la
Então, se os grandes e estranhos pensamentos entram
E saem em ti e muitas vezes ficam pela noite.)
Se a nostalgia te dominar, porém, cantas as amantes; muito
Ainda falta para ser bastante imortal seu celebrado sentimento.
Aquelas que tu quase invejaste, as desprezadas, que tu
Achaste muito mais amorosas que as apaziguadas. Começa
Sempre de novo o louvor jamais acessível;
Pensa: o herói se conserva, mesmo a queda lhe foi
Apenas um pretexto para ser : o seu derradeiro nascimento.
As amantes, porém, a natureza exausta as toma
Novamente em si, como se não houvesse duas vezes forças para realizá-las. Já pensaste pois em Gaspara Stampa
O bastante para que alguma jovem,
A quem o amante abandonou, diante do elevado exemplo
Dessa apaixonada, sinta o desejo de tornar-se como ela?
Essas velhíssimas dores afinal não se devem tornar
Mais fecundas para nós? Não é tempo de nos libertarmos,
Amando, do objeto amado e a ele tremendo resistirmos Como a flecha suporta à corda, para, concentrando-se no salto
Ser mais do que ela mesma?
Pois parada não vai há parte alguma.


Vozes, vozes.Escuta, coração como outrora somente
os santos escutavam: até que o gigantesco apelo
levantava-os do chão; mas eles continuavam ajoelhados,
inabaláveis, sem desviarem a atenção:
eles assim escutavam. Não que tu pudesses suportar
a voz de Deus, de modo algum. Mas escuta o sopro,
a incessante mensagem que nasce do silêncio.
Daqueles jovens mortos sobe agora um murmúrio em direção a ti.
Onde quer que penetraste, nas igrejas
De Roma ou de Nápoles, seu destino não falou a ti, tranqüilamente ?
Ou uma augusta inscrição não se impôs a ti
Como recentemente a lousa em Santa Maria Formosa.
Que eles querem de mim? Lentamente devo dissipar
A aparência de injustiça que às vezes dificulta um pouco
O puro movimento de seus espíritos.


Certo, é estranho não habitar mais terra,
Não mais praticar hábitos ainda mal adquiridos,
Às rosas e outras coisas especialmente cheias de promessas
Não dar sentido do futuro humano;
O que se era, entre mãos infinitamente cheias de medo
Não ser mais, e até o próprio nome
Deixar de lado como um brinquedo quebrado.
Estranho, não desejar mais os desejos.
Estranho,
Ver tudo o que se encadeava esvoaçar solto
No espaço. E estar morto é penoso
E cheio de recuperações, até que lentamente se divise
Um pouco da eternidade. - Mas os vivos
Cometem todos o erro de muito profundamente distinguir.
Os anjos (dizem) não saberiam muitas vezes
Se caminham entre vivos ou mortos. A correnteza eterna
Arrebata através de ambos os reinos todas as idades
Sempre consigo e seu rumor as sobrepuja em ambos.


Finalmente não precisam mais de nós os que partiram cedo,
Perde-se docemente o hábito do que é terrestre, como o seio materno
suavemente se deixa, ao crescer.Mas nós que de tão grandes
mistérios precisamos, para quem do luto tantas vezes
o abençoado progresso se origina - : poderíamos passar sem eles?
É vã a lenda de que outrora, lamentando Linos,
A primeira música ousando atravessou o árido letargo,
Que então no sobressaltado espaço, do qual um quase divino adolescente escapou de súbito e para sempre, o vazio entrou
naquela vibração que agora nos arrebata e consola e ajuda?






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