sábado, 27 de julho de 2013

Jorge Luis Borges

Se passo a mão de leve sobre a fronte,
se afago as lombadas desses livros,
se o Livro das Noites reconheço,
se giro a terceira fechadura,
se me demoro no umbral incerto,
se uma dor incrível me atordoa,
se recordo a Máquina do Tempo,
se recordo o tapete do unicórnio,
se mudo a posição quando durmo,
se a memória me devolve um verso,
repito o ritual inumeráveis
vezes em meu assinalado rumo.
Não posso executar um ato novo,
teço e torno a tecer a mesma fábula,
repito um repetido decassílabo,
torno a dizer o que os outros me disseram,
as mesmas coisas sinto, sempre à mesma
hora do dia ou da abstrata noite.
Noite após noite o austero labirinto.
Sou o cansaço de um espelho imóvel
ou o pó de um museu.
Somente algo indesejado espero,
só espero esse dom, ouro da sombra,
essa virgem, a morte. (O castelhano
permite esta metáfora.)

- Jorge Luis Borges

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