terça-feira, 23 de abril de 2013

Oração de São Jorge

Oração de São Jorge

Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge
para que meus inimigos tendo pés, não me alcancem;
tendo mãos, não me peguem;
tendo olhos, não me vejam
e nem em pensamentos eles possam me fazer mal.

Armas de fogo o meu corpo não alcançarão,
facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar,
cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar.

Jesus Cristo me proteja e me defenda com o poder de sua santa e divina graça,
Virgem de Nazaré me cubra com o seu manto sagrado e divino,
protegendo-me em todas as minhas dores e aflições,
e Deus com sua Divina Misericórdia e grande poder
seja meu defensor contra as maldades e perseguições dos meus inimigos.

Glorioso São Jorge, em nome de Deus,
estenda-me o seu escudo e suas poderosas armas,
defendendo-me com sua força e grandeza,
e que, debaixo das patas de seu fiel ginete, meus inimigos fiquem humildes e submissos a vós.
Assim seja, com o poder de Deus, de Jesus e da falange do Divino Espírito Santo.

Pintura Gustave Moreau, St Geoges et le dragon


Pintura Gustave Moreau, St Geoges et le dragon

Luna - Quint Buchholz

Luna - Quint Buchholz 

Cambiemos el nombre
de las cosas,
o mejor,
pongamos un nombre
cada día.
Los nombres distraen mucho.
No ha de cambiar el mar
si lo llamamos humo.
Llamemos exageración
a la luna.
Llamemos a nunca
todavía.

Dulce Chacón



Do Tempo ao Coração - David Mourão-Ferreira

Do Tempo ao Coração

E volto a murmurar Do cântico de amor 

gerado na Suméria às novas europutas 
Do muito que me dás ao muito que não dou 
mas que sempre conservo entre as coisas mais puras 

De uma genebra a mais num bar de Amsterdão 
a não perder o pé numa praia da Grécia 
De tantas tantas mãos que nos passam pelas mãos 
a tão poucas que são as que nunca se esquecem 

De ter visto o começo e o fim da Via Ápia 
De ter atravessado o muro de Berlim 
De outros muros que não aparecem no mapa 
De outros muros que só aparecem aqui 

ao barro deste céu que te modela os ombros 
ao sopro deste céu que te solta o cabelo 
ao riso deste céu que vem ao nosso encontro 
quando sabe que nós não precisamos dele 

Da pertinaz presença E da longevidade 
do corvo do chacal do louco do eunuco 
ao rouxinol que morre em plena madrugada 
à rosa que adormece em caules de um minuto 

Do que foi noutro tempo a saúde no campo 
à lepra que nos rói a paisagem bucólica 
Do tempo ao coração minado pelo cancro 
Dos rins ao infinito incubado na cólera 

Do tempo ao coração mas com pausa na pele 
como «Roma by night» entre dois aviões 
como passar o Verão numa vogal aberta 
como dizer que não que já não somos dois 

Dos rins ao infinito A este que não outro 
Ao que rola dos rins Ao que vai rebentar-te 
na câmara blindada e nocturna do útero 
E nos transfere o fim para um pouco mais tarde 

Da curva de entretanto à entrada do poço 
De soletrar em mim a ler nas tuas mãos 
como é rápido e lento e recto e sinuoso 
o percurso que vai do tempo ao coração. 

David Mourão-Ferreira, in “Obra Poética”

domingo, 21 de abril de 2013

Led Zeppelin - Kashmir - Celebration Day


Led Zeppelin - Kashmir - Celebration Day



http://www.youtube.com/watch?v=PD-MdiUm1_Y&list=PLMmd10177iHtvpf8rJZf3IgvmxM63eKvk


Kashmir

Oh, let the sun beat down upon my face
Stars to fill my dream
I am a traveler of both time and space
To be where I have been

To sit with elders of the gentle race
This world has seldom seen
They talk of days for which they sit and wait
When all will be revealed

Talk and song from tongues of lilting grace
Whose sounds caress my ear
But not a word I heard could I relate
The story was quite clear

Oh, oh, oh, oh

Oh, I been flying
Mama, there ain't no denying
Oh yeah, I've been flying
Mama, ain't no denying, no denying

All I see turns to brown as the sun burns the ground
And my eyes fill with sand
As I scan this wasted land trying to find
Trying to find where I've been

Oh, pilot of the storm who leaves no trace
Like thoughts inside a dream
Hid the path that led me to that place
Yellow desert stream

My Shangri-la beneath the summer moon
I will return again
Sure as the dust that floats high in June
When moving through Kashmir

Oh, father of the four winds, fill my sails
Across the sea of years
With no provision but an open face
Along the straits of fear

Oh, oh, oh, oh

When I'm on
When I'm on my way, yeah
When I see
When I see the way, you stay, yeah

Oh yeah, yeah, oh yeah, yeah
When I'm down
Oh my baby, oh my baby
Let me take you there


NÃO ABANDONAMOS O QUARTO NO DOMINGO - Fabrício Carpinejar

NÃO ABANDONAMOS O QUARTO NO DOMINGO

Acordamos e não nos levantamos.

Desde que nos apaixonamos, a cama é o nosso acampamento.

Despertamos cedo e ficamos conversando, recapitulando a rotina, rindo à toa.

É um domingo inteiro assim, entre travesseiros, almofadas e edredom.

O quarto permanece trancado, as cortinas fechadas, o jornal empilhado na porta.

De vez em quando, um dos dois é sorteado como emissário da geladeira, para buscar frutas ou água. É uma visita rápida pelos demais aposentos, na ponta dos pés para não assustar as pálpebras.

Não é aconselhável demorar pela sala, para a claridade não quebrar o encanto e nos obrigar a sair à rua.

Somos sonâmbulos um do outro. Viciados um no outro. Intoxicados um do outro.

Passamos os dias no colchão travando histórias e revelando segredos.

A cama é o nosso hotel, nossa casa na serra, nossa residência de praia, nosso bunker, nosso pub, nossa água-furtada.

A cama é o que precisamos do mundo, o resto pode levar.

Reduzimos o universo àquele estrado de madeira, e nos divertimos com os problemas antigos, com as dores antigas, com aquilo que nos antecedeu e ainda não era a gente.

Na verdade, sinto que estudo para o vestibular de sua memória. Olho o teto coberto de fórmulas, fotos, cenas, equações e cálculos de sua vida.

Decoro suas sobrancelhas, seus suspiros, sou um mímico atento de seu rosto.

Faço perguntas despropositadas - nunca prevejo o que vai cair na prova do amor.

Interesso-me por qual lugar que sentava no colégio Champagnat. Me diz que era no fundo, com as costas coladas na janela.

E você me interroga a cor da minha térmica no jardim de infância do Santa Inês. Falo rápido que era azul.

Quem teria coragem de fazer essas questões senão quem ama? Mais: quem responderia com naturalidade essas questões senão quem ama?

Não nos assustamos com nenhuma gratuidade. Não estranhamos a curiosidade ou nos envergonhamos da loucura.

Intimidade é não temer o que será feito com nossas palavras.

Deitamos de lado, atravessados, você em meu peito, eu encaixado na moldura de seu pescoço. Giramos para esquerda, tonteamos para direita, argumentamos, confortamos, descrevemos nossos amigos, confessamos nossos pecados, sussurramos bobagens.

Os ouvidos se tornam rápidos como a boca. Falo e ouço na mesma hora.

Nossas mãos se beijam, nossos pés se beijam.

Tudo é intenso entre nós a ponto da lembrança criar a experiência. É como se nossos olhos fossem aquela máquina polaroid cuspindo fotos.

Os vizinhos devem suspeitar que já morremos, mas nunca estivemos tão vivos.

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Revista Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 21/04/2013 Edição N° 17409



Barry Manilow - I can`t smile without you


Barry Manilow - I can`t smile without you



http://www.youtube.com/watch?v=gLuSZLHhoNM


You know I can't smile without you
I can't smile without you
I can't laugh and I can't sing
I'm finding it hard to do anything

You see I feel sad when you're sad
I feel glad when you're glad
If you only knew what I'm going through
I just can't smile without you

You came along just like a song
And brighten my day
Who would of believed that
You where part of a dream
Now it all seems light years away

And now you know I can't smile without you
I can't smile without you
I can't laugh and I can't sing
I'm finding it hard to do anything

You see I feel sad when your sad
I feel glad when you're glad
If you only knew what I'm going through
I just can't smile

Now some people say happiness takes
So very long to find
Well, I'm finding it hard
Leaving your love behind me

And you see I can't smile without you
I can't smile without you
I can't laugh and I can't sing
I'm finding it hard to do anything

You see I feel glad when you're glad
I feel sad when you're sad
If you only knew what I'm going through
I just can't smile without you


Barry White - My First My Last My Everything


Barry White - My First My Last My Everything



http://www.youtube.com/watch?v=qdTDFUaaL9s

You're My First, My Last, My Everything by Barry White
The first, the last, my everything
And the answer to all my dreams
You're my sun, my moon, my guiding star
My kind of wonderful, that's what you are
I know there's only, only one like you
There's no way they could have made two
You're all I'm living for
Your love I'll keep for evermore
You're the first, your the last, my everything

And with you I've found so many things
A love so new only you could bring
Can't you see it's you
You make me feel this way
You're like a fresh morning dew on a brand new day
I see so many ways that I
Can love you till the day I die
You're my reality, yet I'm lost in a-a-a a dream
You're the first, the last, my everything

I know there's only, only one like you
There's no way they could have made two
Girl you're my reality
But I'm lost in a-a-a a dream
You're the first, you're the last, my everything



terça-feira, 16 de abril de 2013

Carlos Drummond de Andrade - O Amor Bate na Aorta

O Amor Bate na Aorta

Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito.

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que corre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender...

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 13 de abril de 2013

O SERTANEJO FALANDO - João Cabral de Melo Neto

O SERTANEJO FALANDO
João Cabral de Melo Neto

A fala a nível do sertanejo engana:
as palavras dele vêm, como rebuçadas
(palavras confeito, pílula), na glace
de uma entonação lisa, de adocicada.
Enquanto que sob ela, dura e endurece
o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
incapaz de não se expressar em pedra.

2.
Daí porque o sertanejo fala pouco:
as palavras de pedra ulceram a boca
e no idioma pedra se fala doloroso;
o natural desse idioma fala à força.
Daí também porque ele fala devagar:
tem de pegar as palavras com cuidado,
confeitá-la na língua, rebuçá-las;
pois toma tempo todo esse trabalho.

- in “Melhores Poemas de João Cabral de Melo Neto". [Seleção Antônio Carlos Secchin], São Paulo: Global Editora, 8ª ed., 2001, pag. 184.

Joe Cocker - You Are So Beautiful


Joe Cocker - You Are So Beautiful



http://www.youtube.com/watch?v=2UpDDukLwjY


You are so beautiful
To me
You are so beautiful
To me
Can't you see?

You're everything I've hoped for
You're everything I need

You are so beautiful
To me
You are so beautiful
To me
You are so beautiful
To me
Can't you see

You're everything I've hoped for
You're everything I need

You are so beautiful
To me


Joe Cocker - Sorry Seems To Be The Hardest Word

Joe Cocker - Sorry Seems To Be The Hardest Word


http://www.youtube.com/watch?v=axcXYkiO82Q

What have I got to do to make you love me ?
What have I got to do to make you care?
What do I do when lightning strikes me ?
And I wake to find that you¹re not there

What have I got to do to make you want me ?
What have I got to do to be heard ?
What do I say when it¹s all over?
And sorry seems to be the hardest word,

CHORUS
It¹s sad, so sad,
It¹s a sad ,sad situation,
And it¹s getting more and more absurd,
It¹s sad, so sad,
Why can¹t we talk it over?
Oh it seems to me
That sorry seems to be the hardest word,
What have I got to do to make you want me ?
What have I got to do to be heard ?
What do I say when it¹s all over?
And sorry seems to be the hardest word,

CHORUS
It¹s sad, so sad,
It¹s a sad situation,
And it¹s getting more and more absurd,
It¹s sad, so sad,
Why can¹t we talk it over?
Oh it seems to me
That sorry seems to be the hardest word

What have I got to do to make you love me ?
What have I got to do to be heard ?
What do I do when lightning strikes me ?
What have I got to do?
What have I got to do?
When sorry seems to be the hardest word?


Artigo de Márcia Tiburi, originalmente publicado pelo Jornal do Margs, edição 103 (setembro/outubro).


Artigo de 
Márcia Tiburi, originalmente publicado pelo Jornal do Margs, edição 103 (setembro/outubro).
A diferença entre ver e olhar é tanto uma distinção semântica que se torna importante em nossos sofisticados jogos de linguagem tomados da tarefa de compreender a condição humana – e, nela, especialmente as artes –, quanto um lugar comum de nossa experiência. Basta pensar um pouco e a diferença das palavras, uma diferença de significantes, pode revelar uma diferença em nossos gestos, ações e comportamentos. Nossa cultura visual é vasta e rica, entretanto, estamos submetidos a um mundo de imagens que muitas vezes não entendemos e, por isso, podemos dizer que vemos e não vemos, olhamos e não olhamos. O tema ver-olhar – antigo como a filosofia e a arte – torna- se cada vez mais fundamental no mundo das artes e estas o território por excelência de seu exercício. Mas se as artes nos ensinam a ver – olhar, é porque nos possibilitam camuflagens e ocultamentos. Só podemos ver quando aprendemos que algo não está à mostra e podemos sabê-lo. Portanto, para ver olhar, é preciso pensar.
Ver está implicado ao sentido físico da visão. Costumamos, todavia, usar a expressão olhar para afirmar uma outra complexidade do ver. Quando chamo alguém para olhar algo espero dele uma atenção estética, demorada e contemplativa, enquanto ao esperar que alguém veja algo, a expectativa se dirige à visualização, ainda que curiosa, sem que se espere dele o aspecto contemplativo. Ver é reto, olhar é sinuoso. Ver é sintético, olhar é analítico. Ver é imediato, olhar é mediado. A imediaticidade do ver torna-o um evento objetivo. Vê-se um fantasma, mas não se olha um fantasma. Vemos televisão, enquanto olhamos uma paisagem, uma pintura.
A lentidão é do olhar, a rapidez é própria ao ver. O olhar é feito de mediações próprias à temporalidade. Ele sempre se dá no tempo, mesmo que nos remeta a um além do tempo. Ver, todavia, não nos dá a medida de nenhuma temporalidade, tal o modo instantâneo com que o realizamos. Ver não nos faz pensar, ver nos choca ou nem sequer nos atinge. As mediações do olhar, por sua vez, colocam-no no registro do corpo: no olhar – ao olhar - vejo algo, mas já vitimado por tudo o que atrapalha minha atenção retirando-a da espécie sintética do ver e registrando- a num gesto analítico que me faz passear por entre estilhaços e fragmentos a compor – em algum momento – um todo. O olhar mostra que não é fácil ver e que é preciso ver, ainda que pareça impossível, pois no olhar o objeto visto aparece em seus estilhaços de ser e só com muito custo é que se recupera para ele a síntese que nos possibilita reconstruir o objeto. É como se depois de ver fosse necessário olhar, para então, novamente ver. Há, assim, uma dinâmica, um movimento - podemos dizer - um ritmo em um processo de olhar-ver. Ver e olhar se complementam, são dois movimentos do mesmo gesto que envolve sensibilidade e atenção.
O olhar diz-nos que não temos o objeto e, todavia, nos dispõe no esforço de reconstituí-lo. O olhar nos faz perder o objeto que visto parecia capturado. Para que reconstituí-lo? Para realmente captura-lo. Mas essa captura que se dá no olhar é dialética: perder e reencontrar são os momentos tensos no jogo da visão. Há, entretanto, ainda outro motivo para buscar reconstruir o objeto do olhar: para não perder além do objeto, eu mesmo, que nasço, como sujeito, do objeto que contemplo – construo enquanto contemplo. Olhar é também uma questão de sobrevivência. Ver, por sua vez, nos liberta de saber e pode nos libertar de ser. Se o olhar precisa do pensamento e ver abdica dele, podemos dizer que o sujeito que olha existe, enquanto que o sujeito que vê, não necessariamente existe. Penso, logo existo: olho, logo existo. Eis uma formulação para nosso problema.
Mas se não existo pelo ver, não estou implicado por ele nem à vida, nem à morte. Ver nos distancia da morte, olhar nos relaciona a ela. O saber que advém do olhar é sempre uma informação sobre a morte. A morte é a imagem. A imagem é, antes, a morte. Ver não me diz nada sobre a morte, é apenas um primeiro momento. Ver é um nascimento, é primeiro. O olhar é a ruminação do ver: sua experiência alongada no tempo e no espaço e que, por isso, nos instaura em outra consistência de ser. Por isso, nossa cultura hipervisual dirige-se ao avanço das tecnologias do ver, mas não do olhar. É natural que venhamos a desenvolver uma relação de mercadoria com os objetos visualizáveis e visíveis. O olhar implica, de sua parte, o invisível do objeto: a coisa. Ele nos lança na experiência metafísica. Desarvoranos a perspectiva, perturba-nos. Por isso o evitamos. Todavia, ainda que a mediação implicada no olhar faça dele um acontecimento esparso, pois o olhar exige que se passeie na imagem e esse passear na imagem traça a correspondência ao que não é visto, é o olhar que nos devolve ao objeto – mas não nos devolve o objeto - não sem antes dar-nos sua presença angustiada.
O olhar está, em se tratando do uso filosófico do conceito, ligado à contemplação, termo que usamos para traduzir a expressão Theorein, o ato do pensamento de teor contemplativo, ou seja, o pensar que se dá no gesto primeiro da atenção às coisas até a visão das idéias tal como se vê na filosofia platônica. Paul Valéry disse que uma obra de arte deveria nos ensinar que não vimos aquilo que vemos. Que ver é não ver. Dirá Lacan: ver é perder. Perder algo do objeto, algo do que contemplamos, por que jamais podemos contemplar o todo. O que se mostra só se mostra por que não o vemos. Neste processo está implicado o que podemos chamar o silêncio da visão: abrimo-nos à experiência do olhar no momento em que o objeto nos impede de ver. Uma obra de arte não nos deixa ver. Ela nos faz pensar. Então, olhamos para ela e vemos.


Márcia Tiburi

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Auguste Rodin

A arte é a contemplação: é o prazer do espírito que penetra a natureza e descobre que ela também tem uma alma. É a missão mais sublime do homem, pois é o exercício do pensamento que busca compreender o universo, e fazer com que os outros o compreendam.

Auguste Rodin



O Beijo. Rodin.  2013. Foto © Leonora Fink